Ao som do Kântele
Como professora Waldorf, uma das minhas grandes alegrias - para não dizer que todas as atividades são sempre uma grande alegria - é o contato com o Kântele. Ainda no meu curso de especialização, com a professora Elisa Ferrari Manzano, fui totalmente envolvida por esse instrumento que é capaz de nos elevar, mesmo sendo tão sutil, e tem um efeito muito salutar nas crianças - principalmente nas do primeiro setênio.

Professora de música Shalimar e Professora do Jardim Ana Cláudia
Quem entra em uma Escola Waldorf pela primeira vez precisa se acostumar, aprender e se familiarizar com diversos hábitos e rotinas diferentes daquelas que existem nas escolas tradicionais. E uma delas, sem dúvida, é a presença do Kântele na rotina das crianças.
Diariamente o Kântele é utilizado pelos educadores Waldorf em salas de um jardim de infância. O som sempre harmônico de suas cordas, não importando tanto a combinação entre elas, traz um ambiente de aconchego e calma. Não é simplesmente música, mas um ambientar de espaço e tempo. Por isso, sua utilização não se dá em qualquer momento ou de qualquer jeito; normalmente ele chega antes de histórias ou para descansar.
Por que o kântele pode ser tão especial na rotina das crianças?
"Mais delicado que o vento quando roça os ramos das árvores! Tão suave quanto uma brisa que acaricia as águas de um lago tranquilo. Um som tão macio, tão doce, que faz você se sentir envolvido, aconchegado, protegido, aninhado nos braços de uma mãe carinhosa. Você pode se aproximar da sensação dele se puder sentir em seu rosto um afago delicado e muito, muito amoroso. Um afago de alguém que não tem pressa ou compromisso. Alguém que está ali, inteiro, presente. Que tem como único desejo envolver você num ninho de amor!" Flávia Betti
O kântele tem um som suave e envolvente, que provoca a sensação de sonho. E por isso é imprescindível na rotina das crianças na primeira infância, pois criança de primeiro setênio precisa estar envolvida nesta sensação de sublimação, de tranquilidade e confiança, de que "o mundo é bom".
Como se ele viesse do "céu", quem toca o kântele venera o instrumento, fazendo sua apresentação ser agradável e bonita desde o começo, um verdadeiro cerimonial, bem especial.
É preciso que se tenha um gesto delicado ao retirá-lo e ao guardá-lo, evidenciando assim toda sua importância e magia que representa para as crianças. E, para tocar, cuidado e atenção para segurá-lo com reverência, onde as cordas são gentilmente acariciadas para formar a melodia.
Esse envolvimento ajuda as crianças a aprenderem e compreenderem o significado do momento, a reconhecer o valor e dar importância à melodia, ao seu tempo e presença, pois somente estando todos em silêncio é possível sentir a vibração de "ambiente protegido/celestial" que ele produz.
Na Europa, muitas famílias utilizam o kântele para a rotina de adormecer das crianças, graças à este efeito que ele provoca.
Benefícios educacionais
Na escola, ele também tem efeito no desenvolvimento de algumas qualidades fundamentais para a alfabetização, tais como: concentração, ritmo e coordenação motora. O professor que toca esse instrumento consegue facilmente que se instale a calma e o silêncio necessários para o aprendizado.
Poder terapêutico
A sonoridade do Kântele funciona perfeitamente como uma terapia musical, realizando inclusive uma assepsia na audição das crianças, que geralmente está poluída por barulhos e ruídos dos mais diversos. Além disso, as notas agudas do kântele são semelhantes à tonalidade da voz infantil e algumas crianças podem cantarolar e naturalmente afinar suas vozes com a melodia.
Segundo Flávia Betti, "é de extrema urgência que as pessoas percebam a proporção gigantesca de cura que nos é doada por esse instrumento".
"Encontramos no kântele, oculto em sua afinação, em sua escala e na relação entre seus tons, leis da física e matemática que atuam e reververam na organização física e orgânica das pessoas. Se unirmos a isso uma maneira especial de tocar, de fluir e respirar com os tons, de estar presente amorosamente, nossa atuação irá além, formando como que uma pele de proteção e aconchego no nível anímico e espiritual."
Estudar sempre!

Aqui na nossa Escola, no Jardim Waldorf Flauta Mágica, todas as professoras estudam o Kântele quinzenalmente com a Professora Shalimar, que vem da capital para acompanhar nosso repertório e progresso técnico nas habilidades de tocar o instrumento.
Quer saber mais?
O Kântele é um instrumento musical nacional da Finlândia. Basicamente, é uma caixa acústica fechada, com 7 a 10 cordas. Sua forma é variada e a modalidade de afinação depende do uso ao qual se destina. Atualmente o instrumento é mais difundido com a afinação na escala pentatônica (ré, mi, sol, la, si), para ser especialmente utilizado como terapia musical e em jardins de infância para crianças até 9 anos de idade.
A origem do Kântele se confunde com histórias da mitologia finlandesa. Diz um conto local, chamado "kalewala" que o instrumento teria sido construído com ossos de peixe por um dos três grandes heróis da história, que era um cantor mágico. O som que emitia era de tal beleza que à sua audição o povo chorava sensibilizado.
Referências: Teóricos de Betina Schmidt, Elisa Manzano e Flávia Betti.